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            Quase fim de tarde de um domingo. Depois de correr, recrear os dois filhos, dar atenção ao marido, fazer uma visita rápida à mãe - cumprir o papel de mãe, esposa e filha -, ela continua alegre e sorridente na plenitude de seus 44 anos. E ainda tem disposição para lembrar sua infância e adolescência. Tudo sem largar o celular, vício inegável.

            - É por conta da profissão, justifica.

            A jornalista e editora Elisa Torres bem resolvida, falante, brincalhona e que adora tirar fotos de tudo, dos outros e dela mesma, não se parece em nada com a jovem tímida e sem graça do passado.          

 

          - Eu era envergonhada, quieta e sem atitude. Sofria bullying na escola, uma colega batia em mim e nunca contei para minha mãe. Mas acho que não era pela minha cor não, acho que era implicância mesmo, minimiza.

       Filha de mãe branca com pai negro, sempre escutou da mãe que os avós maternos eram muito preconceituosos. A avó era sulista e o avô louro de olhos azuis. Ela não lembra deles, morreram quando tinha entre um e dois anos de idade, mas as histórias sempre foram contadas. E o preconceito maior veio de dentro da própria família. Um tio – irmão da mãe – não queria que Elisa e o irmão “se misturassem” e tivessem convivência com as primas lourinhas da mesma faixa etária de ambos.

            O tio chegava a dizer que negro só entrava em sua casa pela porta dos fundos, apoiado pela sogra também preconceituosa. Mas, para tristeza dele, as filhas eram loucas pelos primos. Na adolescência, após muitos dissabores com o tio, Elisa se afastou das primas. Não sem antes contar o real motivo.

            - Como uma espécie de “castigo”, uma das minhas primas sempre namorou negros e acabou se casando com um. Hoje é mãe de dois filhos negros, revela a jornalista.

            Todo o preconceito familiar ficou no passado. O tio já morreu e os primos são super unidos atualmente. Com uma nova geração de primos sempre juntos. Além do tio, Elisa só se recorda de uma situação de preconceito. Foi durante uma viagem à Argentina, sua primeira viagem internacional, para comemorar os 15 anos. Em uma ida à boate, foi rodeada por diversas pessoas enquanto dançava que riam e faziam comentários sobre ela. Ao mesmo tempo em que um jovem mais afoito lhe tascou um beijo. Com medo, teve que sair imediatamente e retornar ao hotel.

          - Tudo em mim chamava a atenção deles. O meu jeito de vestir, o cabelo meio afro, a cor da pele e o fato de ser brasileira. Existe essa rixa entre os dois países. Acho que eles pensaram que eu era prostituta. Voltei para o hotel e chorei muito. Mas isso foi há 29 anos.

            Segundo a editora, hoje os tempos são outros, as coisas estão bem diferentes.

            - Existe um empoderamento da mulher e do negro, afirma.

             O fato de ter estudado em escola pública durante o primário e depois em universidade federal fez com que sua convivência fosse múltipla. Com amigos de várias cores e classes sociais. Diferentemente do período do segundo grau cursado em colégio particular onde as diferenças se davam mais em relação as classes econômicas.

          - Durante o tempo do colégio particular, o estranhamento era o mesmo que sentia quando ainda criança ia às festinhas de aniversário das minhas primas – as poucas que fui. Só tinha gente branca e riquinha, as “patricinhas” e “mauricinhos”. Sentia o preconceito mais pelo lado social.

           Hoje, os filhos da jornalista estudam em colégio particular e ela não tem nenhuma preocupação de que eles sofram com preconceito racial. Elisa lembra de mais um episódio. No primeiro emprego, na TV, precisou alisar o cabelo. E descreve as facilidades dos cremes e produtos afro encontrados no mercado atualmente e que não existiam na sua juventude. Uma grande evolução nesta área.

          - Eu tinha problemas com o meu cabelo durante a adolescência e hoje posso usar comprido e encacheado, assim como minha filha. Já meu filho, com nove anos, me pediu para levá-lo na barbearia semana passada e fez um corte black. Ele adora! É cada um do seu jeito e todos se aceitam, finaliza.

Sem mistura com as  primas 'lourinhas'

Alba Moraes
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