Porta de Vidro
O racismo nem sempre é algo explícito. É isso que sente a aluna de cinema da PUC-Rio, de 20 anos, Juliana Nascimento, que afirma já ter sofrido diversas demonstrações de preconceito com a cor da pele, mas, muitas delas, disfarçadas. A jovem explica que esse “racismo tênue” foi um dos motivos para ela demorar para se enxergar como negra. De pele “retinta”, o negro mais claro, ela diz que as pessoas a classificam como “morena” ou “mulata”, por isso, as agressões parecem “sutis”.
Juliana não se considerava negra até a adolescência. De classe média, ela conta que na escola, na faculdade, e em outros ambientes que frequentava, por estar cercada de pessoas brancas, a jovem queria se sentir igual a elas e, por conta dessa sensação de pertencimento, alisava o cabelo e se cobrava para usar “roupas da moda”. Dessa forma, sentia que se “enquadrava” ao padrão do contexto.
– Existe incômodo nesses espaços majoritariamente brancos, como a faculdade. Toda vez que as aulas voltam e eu não me reconheço nas pessoas ao redor, tento me enquadrar. Quando você olha ao redor e só tem brancos, você acaba se sentindo alheia, fora do ambiente, sendo que esse lugar não foi feito pra você se sentir bem, não é confortável pra nenhuma mulher negra. Não tenho motivos para me cobrar, eu sei, porque não foi feito pra mim esse espaço – desabafa.
O questionamento da estudante com a própria identidade começou no ensino médio, quando frequentava o colégio Palas, no Recreio, onde uma professora de pele mais clara e cabelos menos crespos que os de Juliana afirmava ser negra. A jovem lembra que, ao se comparar às características da professora, ela passou a se enxergar também como mulher negra. Mas foi durante as férias da faculdade, em 2015, que a universitária decidiu assumir uma posição afirmativa da própria raça. Ela conta que havia se inscrito para participar de um workshop no Instituto Moreira Salles, na Gávea, e, no primeiro encontro do curso, se vestiu bem e alisou os cabelos. Nesse dia, foi recebida no centro cultural “com atenção”, e os funcionários a convidaram para conhecer as exposições em cartaz. Mas na segunda ida ao IMS, Juliana relata que o tratamento não foi o mesmo.
– Como eu estava de férias e numa fase ruim, lavei o cabelo e deixei natural, não o sequei nem alisei. Nesse dia, como não teria o curso, fui apenas para olhar a exposição, então, coloquei um par de chinelos e uma camiseta. Duas senhoras pararam pra me perguntar por que eu estava ali e me avaliaram de cima a baixo. E outras pessoas me olharam com esse mesmo questionamento. Eu não entendi a pergunta. Com o outro cabelo, me trataram bem, porque a minha pele é clara, então com cabelo liso, eu passava despercebida. Dessa vez, não, por conta do cabelo natural, cheio, armado. Então, percebi que ele era parte da minha existência, que eu tinha sofrido racismo naquela situação. Resolvi assumir do jeito que ele é, porque é um traço meu, da minha existência – defende.
A partir desse dia, Juliana decidiu assumir os cachos naturais. Cortou o cabelo para tirar a química dos alisamentos e, com isso, se tornou referência outras negras. Ela lamenta que, na infância, não conhecia ninguém com o cabelo parecido no grupo de amigas, nas novelas da televisão, ou até mesmo em casa. Por isso, ela diz que se sentia “diferente” e tentava se adequar ao padrão. Hoje, a jovem pensa que, ao manter os cachos naturais, pode ser influência positiva para meninas que se identificam com ela. A estudante diz que quer deixar a mensagem “eu nasci com esse cabelo e ele é bonito. Se o meu é, o seu também é e você precisa acreditar”.
No ano passado, a estudante da PUC passou a participar do Coletivo Nuvem Negra, grupo de alunos negros da universidade que formam resistência para discutir questões de representatividade dentro do ambiente acadêmico e elitizado. Nesse espaço, Juliana afirma que fez amizades que a ajudam a lidar com o reconhecimento da negritude dentro do campus. Além disso, ressalta a importância de conviver com mulheres negras, pois, para ela, a questão do feminismo se interliga com a luta contra o racismo.
– A mulher é oprimida na sociedade, mas a mulher preta nem é vista. Não consigo pensar num movimento negro sem pensar no feminismo. Ser mulher é difícil na nossa sociedade, e mulher preta mais ainda, porque são muitas questões que a colocam numa solidão, num limbo. E a luta não deve ser contra o branco, mas contra uma estrutura. E como se luta contra estruturas? Resistindo. E como se resiste? Dando apoio àqueles que sentem o mesmo que você e falando “estamos juntos” – apoia.
As maiores referências de símbolos negros para Juliana são Nathalie Nery, cientista social que usa as redes sociais para expor a questão do racismo, Djamila Ribeiro, pesquisadora e feminista acadêmica, Dula Pires, professora da PUC-Rio, e Conceição Evaristo, escritora homenageada na Feira Literária de Paraty deste ano.
GabriGabriel Leonne: o negro em todos os espaçosm
Mariana Casagrande