Porta de Vidro
A rotina de um a do Sul
Em um país onde mais de 50% da população é negra, a discussão sobre o movimento negro na atualidade se faz muito presente. Desde a promulgação da Lei Áurea em 13 de maio de 1888, o Brasil se inseriu na luta contra o preconceito e a desigualdade social.
O professor de Cultura Brasileira da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Gabriel Neiva, descreveu o papel do negro na construção da Identidade Nacional do Brasil como essencial.
Entre o século 19 e uma grande parte do século 20, circulavam jornais e revistas voltados para a população negra. O primeiro periódico da Imprensa Negra brasileira veiculado foi O mulato, lançado no ano de 1833 no Rio de Janeiro com foco no reconhecimento da cidadania da população afro-brasileira em tempos de escravização. As publicações começaram com o intuito de promover uma discussão sobre a vida da população negra.
Entretanto, os periódicos acabaram por se tornar meios de denúncia de atos praticados contra os negros, das dificuldades desse grupo no período pós-escravista, da desigualdade social entre negros e brancos e das restrições sofridas em decorrência do preconceito racial. O agrupamento de todos estes jornais e revistas passou a ser reconhecido como Imprensa Negra Paulista.
Quanto à recorrência do assunto, Neiva diz que o racismo sempre existiu, mas ele acredita que a presença da internet faz com que o tema fique mais em evidência. A Ouvidoria Nacional de Igualdade Racial surgiu nesse contexto como um dos instrumentos institucionais mais importantes de combate ao racismo. Ela foi criada para registrar, apurar e acompanhar os casos de racismo e discriminação racial no país.
Após a Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatadas de Intolerância, realizada no ano de 2001 na África, o governo brasileiro passou a ter interesse em demonstrar, efetivamente, o cumprimento de resoluções determinadas internacionalmente pelos órgãos de Direitos Humanos.
Democracia Racial?
O estudante angolano do curso de Pós-Graduação em Maquinaria Naval e Offshore da COPPE-UFRJ, Adão Yayo, relatou que acreditava, quando veio ao Brasil pela primeira vez, na existência de uma democracia racial no país. Ao chegar, o que ele identificou foi um racismo velado.
Segundo Neiva, se fala em racismo velado desde o século X. “Isso não é necessariamente novo, porém as formas como esse racismo são expressas, elas mudam. As pessoas, por vezes, criam outras maneiras de suavizar esse comportamento. [...] Mas isso não impede a recorrência de casos racistas quase diariamente”, afirmou.
Ele disse ainda que a ideia de democracia racial teria construído uma tese de que o problema nacional não se daria pela questão do preconceito étnico, uma vez que somos um povo miscigenado, mas porque na transição da escravidão para o trabalho livre alguns tiveram acesso à grandes cargos ou ascenderam socialmente.
Neiva falou na crítica feita por Florestan Fernandes a respeito da falta de um projeto de inserção do negro que o garantiria um status de cidadão pleno. Ele afirmou que com isso foram deixadas marcas na sociedade brasileira que seguem muito evidentes até os dias de hoje. O professor acredita na disputa de narrativas como o principal motivo para consolidar a ideia de democracia racial durante tanto tempo.
Para ele, alguns dos autores com papel mais importantes no cenário nacional de luta contra o racismo atual são Muniz Sodré, Conceição Evaristo, Elisa Lucinda, Clóvis Moura, entre outros. Apesar disso, Neiva também disse que a discussão sobre a identidade nacional vem perdendo força.
Adão apontou como causa do racismo no Brasil a luta por pelo poder e a repetição da fala e dos costumes. Para Neiva, a raiz do problema é a interligação entre a questão da cidadania, mas também associada ao gênero, à sexualidade e à classe. Segundo ele, “tocar nesses pontos traria novas coisas a serem discutidas” e assim o racismo poderia ser combatido. “Os antigos autores trazem muito a questão classe versus etnia, que ainda é muito importante. Mas têm outros caminhos que podem contribuir para o debate”, concluiu.
Vozes do racismo
Valentina Rêgo Monteiro