Porta de Vidro
São diferentes as religiões, explica Alberto: aqui, se aglutinaram, lá, mantiveram-se distintas. “Nós somamos tudo no Brasil. Lá, são diferentes falas, valores, qualidades e defeitos. Dependendo do grupo africano, há tradições que valorizam ou não os gêmeos, por exemplo. Na palestra que concedeu aos alunos da PUC-Rio, no dia 4 de outubro, o imortal da Academia Brasileira de Letras, ABL Alberto da Costa e Silva avisa que “o vício da África pega com facilidade”. Quando ele começou a estudar o assunto, nos anos 50, os colegas do Itamaraty acharam que ele tinha enlouquecido. Não foi isso; foi paixão de toda a vida.
Sobre a situação dos retornados, os primeiros, eram mercadores de escravos. Já no século 18, início do 19, voltaram africanos e crioulos, nascidos no Brasil, e que não tinham ligação com o tráfico. Eles aprenderam ofícios com os brancos. Eram alfaiates, como os ingleses, modistas à francesa, marceneiros, como os italianos. Muitas não se vestiam como africanos, mas como europeus. Assim, ganharam a confiança dos colonizadores. Foram para a África para enriquecer e enriqueceram!
O autor do livro "O rio chamado Atlântico", os escravos eram mal vistos, discriminados na África. O comércio de escravos vinha prioritariamente de Angola e o pagamento era em moeda forte: tabaco, cachaça e farinha de mandioca. Na família, as mulheres trabalhavam no cabo da enxada, mais do que os homens que levavam o arado, mais leve. Elas administravam os bens, dominavam o comércio, controlavam a distribuição. Além disso, cuidavam de todos os filhos da aldeia. “Não havia órfãos, e sim várias mães”, explica Alberto que descobriu que os homens eram tratados como convidados em uma casa.
Para o estudioso, há duas espécies de seres humanos: os que trabalham e os que querem fugir do trabalho. O homem pedala, corre, veleja, pratica o arco e flecha e tudo vira esporte. Já a mulher troca a fralda, faz comida, limpa a casa, nada disso é modalidade olímpica!” Em síntese, o escritor não tem dúvida, a mulher sempre foi escravizada duas vezes. Na família de sociedades polígamas, é possível ter seis mulheres para um homem. E elas se sustentam. Como eram modernas!
Alberto não vê diferença entre usar as palavras preto ou negro na imprensa. Ele mesmo gostaria de ser chamado de negro. Crioulo, sim, se for nascido na terra brasileira. Não usa o termo afrodescendente, como nos Estados Unidos. Uma aberração porque parecem pertencer a dois continentes ao mesmo tempo. Para Eneida Leal, professora do Programa de Pós-Graduação em Relações Étnico-Raciais do CEFET-RJ, conveniado com a PUC-Rio, na mesa de debate ao lado de Alberto da Costa e Silva, as pessoas devem ter o direito de escolher como devem ser chamadas. “Nada é estável, como costuma dizer o professor Alberto”. Ou seja, tudo muda o tempo todo.
No conteúdo da matéria escolar História do Brasil, o acadêmico não tem dúvidas sobre a importância de incluir a temática África, nossas origens. O que não quer dizer que se deva excluir estudos sobre Grécia ou Roma, importantes berços da civilização. “Modigliani e Picasso, por exemplo, tiveram grande inspiração nas máscaras africanas. É preciso trazer essa herança africana para o nosso museu imaginário. Saber que passado se perdeu, e o que a escravidão não conseguiu apagar. Antigamente, ensinava-se a história da África pós-colonial. Seria a mesma coisa que estudar Portugal pós Proclamação da República. Nós chegamos atrasados nessa área acadêmica: alemães e ingleses estão estudando os idiomas africanos há muito tempo. Atualmente, isso está acontecendo no Brasil”.
Em relação à escravidão brasileira, a maior crueldade foi a concentração no curto espaço de tempo e de ser só uma só raça, a negra. “Escravos sempre existiram na Grécia, em Roma, eram inimigos de guerra. Pertenciam a vários tipos humanos. Mas a nossa escravidão foi violenta, deixou marcas nos descendentes”, ensinou com a sua voz baixinha.
Alberto esclarece questões surpreendentes: Curiosamente, os grandes donos do comércio escravo na África, mandavam seus filhos estudarem no Brasil. Eles não eram confundidos com os escravos africanos. “As cidades eram bem menores, todo o mundo se conhecia. Além disso, os africanos usavam sapatos, o que fazia toda a diferença.” Havia aceitação de quilombolas vendendo tomate e cenoura na cidade. Todo o mundo sabia que eles moravam em quilombos no Leblon ou no Alto da Boa Vista. “Deixa pra lá”, comentavam.
As relações humanas são muito complexas, tanto podia haver amizade entre brancos e escravos, como atos de sadismo. “O ser humano é muito complicado”, admite Alberto. O que dizer de um pai que doou um grupo de escravos para o filho que incluía a própria mãe? E perceber que essa mãe africana não precisava ser liberta porque ela já mandava em casa? Cada pessoa precisa de um Freud só para ela”, concluiu o imortal de alma mais africana da Academia Brasileira de Letras.
GabriGabriel Leonne: o negro em todos os espaçosm
Rose Esquenazi