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          É com um traje casual e o cabelo bem penteado que o carioca de 37 anos, Rodrigo Policeno, sai todos os dias da comunidade Complexo do Lins no Méier para trabalhar no Centro Loyola de Fé e Cultura PUC-Rio. Filho de empregada doméstica e de técnico em telecomunicações, Rodrigo aprendeu desde pequeno que não podia sair de chinelos para fora de casa. Era preciso se preocupar com a aparência, calçar tênis e meias e uma roupa alinhada. Assim, as chances de ser abordado por policiais na rua diminuía. Uma realidade comum de jovens negros no Brasil: a abordagem policial seletiva pela cor da pele.

          Rodrigo é assistente de coordenação na PUC e responsável pelo setor de espiritualidade no Centro Loyola. Seu primeiro emprego, aos 14 anos, foi de ajudante em uma fábrica de chinelos vendidos para camelôs. Logo depois, foi lanterneiro em uma lanternagem na rua da sua casa. Começou a trabalhar cedo para poder sair com os amigos para o shopping e comprar o que quisesse. Com a renda da família, ou ele se alimentava ou comprava algo diferente em uma loja. Ele prometera a mãe que estudaria de manhã e trabalharia depois da escola.

               Aos 20 anos, Rodrigo entrou para o ramo alimentício. Em vários restaurantes na Zona Sul do Rio de Janeiro, ele exerceu diferentes áreas. Foi comprador de produtos, caixa e gerência de alimentação do clube Piraquê. Para ele, no mercado de trabalho as pessoas de pele negra precisam se preocupar mais com o visual do que pessoas brancas.

 

          – Meu pai me treinou inconscientemente a me preocupar com a minha aparência, com as roupas que eu iria vestir para sair na rua. Eu me lembro de brigar muito comigo quando eu e meu primo fomos de chinelo visita-lo no trabalho. Meu pai não gostava que a gente saísse assim. Tinha que colocar tênis, meia bonita. Desde criança, eu cresci aprendendo que eu tinha que me vestir bem para sair de casa – completou Rodrigo.

Isso gerou no funcionário do Centro Loyola, uma excessiva preocupação com a aparência. Principalmente depois que começou a trabalhar em restaurantes da Zona Sul, ele via uma necessidade enorme de estar bem vestido e melhor aparentado fisicamente e intelectualmente. 

           – Eu era comprador e caixa em um restaurante e fiz um curso de gestão. Na época, fui movido pela minha curiosidade de entender o funcionamento do restaurante, mas hoje percebo que não, na verdade, eu fiz para me apresentar melhor para as pessoas. Como eu trabalho vestido de maneira simples, camisa e calça jeans, esse curso me permitiria impor um pouco mais de respeito na minha apresentação aos clientes.

Rodrigo tem orgulho da cor da sua pele, entretanto, o que mais o incomoda é se referirem a ele como pardo, moreno, mulato. Ele se diz negro. Seu pai, falecido em 1996, tinha o tom da pele mais escura que a do filho. Rodrigo conta que em uma conversa entre eles, antes de prestar o vestibular, Mário disse: “A vida já não é fácil para ninguém, para a gente que é preto é pior ainda.”

 

          Ser negro no Brasil e ainda ser morador de comunidade é uma superação diária. Rodrigo trabalha diariamente para conseguir comprar uma casa própria e se mudar logo do Complexo do Lins. “Com o tempo, eu fui percebendo que ser negro é ter que provar todo dia que é um ser humano bom”, completa o funcionário.

           

           Pai de uma menina de três anos, o funcionário da PUC-Rio diz já se preocupar em  preparar Manuela para a sociedade discriminatória. A menina vai ser bolsista no colégio católico Tereziano no ano que vem. Estudar na Zona Sul do Rio é uma preocupação para Rodrigo. 

            – Eu penso em como ela vai lidar com a diferença de classe social e de pele que ela vai se deparar. Eu já venho pensando em como prepará-la. Não quero que ela passe pelo que passei, ao demorar a perceber que infelizmente a gente tem que lutar mais. E espero que na época dela ela não tenha que lutar além das outras pessoas, mas lutar igual. Eu quero que a sociedade que ela for viver nos reconheça de outra forma – afirma Rodrigo.

Negro sem chinelos

Bárbara Tenório

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