Porta de Vidro
Aos 17 anos, Adriana Silva Franco saiu de Mata Verde, interior de Minas Gerais, com destino ao Rio de Janeiro. Ela veio à capital com o objetivo de cursar o ensino superior, trabalhar e ser independente. Adriana teve que se adaptar a hábitos diferentes da antiga realidade e lidar mais diretamente com uma intolerância ainda gritante no país: o racismo. Com o tempo, ela percebeu que o pior tipo de discriminação é o preconceito velado.
Adriana é empregada doméstica em uma casa na Gávea, onde mora desde que chegou ao Rio, em 2013.
Ela vive em um quarto pequeno e simples, e divide o espaço com outras duas funcionárias da casa que revezam durante a semana. Apesar da boa relação com os patrões, a jovem percebe que muitas vezes é invisível para os visitantes. Em 2014, Adriana começou a fazer Engenharia de Petróleo na Universidade Estácio de Sá, no Centro, pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Para ela, a faculdade ajudou a amadurecer e a sair do “mundinho do interior”.
Hoje com 22 anos, a estudante fala abertamente sobre o racismo, que sentiu na pele desde criança. Ela lembra que a primeira discriminação que a afetou foi durante a pré-escola. Com apenas seis anos, era a única negra da turma e, por isso, ninguém brincava com ela. Quando teve catapora, a situação se agravou. As crianças, que já evitavam interagir com Adriana, nem passavam perto dela.
– Nessa época, eu me perguntava por que ninguém falava ou brincava comigo, o que eu tinha feito de errado. Cheguei até a questionar o motivo de ter essa cor, de ser diferente dos outros. Como era muito pequena, eu não entendia. Não conseguia ver a maldade que essas crianças enxergavam.
A quinta série foi outro período que marcou a vida da jovem. Adriana foi vítima de xingamentos e apelidos racistas – como “carvão” – por parte de alguns alunos. Geralmente, ela ficava quieta e não reagia, se sentia mal por ficar sozinha e ser afastada do grupo. A estudante conta que não conversava sobre isso com ninguém, mas dizia para si mesma que ia ficar tudo bem.
Além da intolerância nítida, Adriana destaca a existência de um preconceito mascarado nos dias atuais. Devido à Lei do Crime Racial, muitas pessoas não demonstram tão explicitamente a discriminação por meio da palavra. Para a universitária, o preconceito não desapareceu, apenas passou a ser manifestado de outras formas.
– Se alguém for racista comigo e tiver um policial por perto, com certeza eu vou denunciar. Mas com esse preconceito velado, não tem como você se defender no sentido de recorrer à lei. Só o olhar, a ação de sair de perto, diz tudo. Você se sente como se fosse procurada pela polícia, mesmo sem ter culpa de nada.
Atualmente, Adriana se incomoda mais com as situações do dia a dia. No ônibus, as pessoas já trocaram de assento ou até mesmo ficaram em pé ao vê-la se aproximar e sentar. A jovem também já foi ignorada várias vezes pelas vendedoras ao entrar em lojas, mas costuma ter cada passo monitorado.
– Muitas vezes eu fico sem reação. E nem sempre é preciso alguém falar, é algo que já fica subentendido no olhar. Só o fato de a pessoa ser negra é motivo para tachá-la de ladrão, ignorante ou inferior. Ao ser negra e empregada doméstica, o preconceito vem em dobro.
Adriana afirma com convicção que ninguém nasce racista, as pessoas se tornam racistas. Para a jovem, é algo que vem da educação e da convivência com pessoas que pregam esse pensamento. A partir do momento em que alguém cresce com essa ideia, é difícil mudar. Mas ela se anima ao ver que os papéis se inverteram: cada vez mais, são os filhos que conscientizam os pais sobre o racismo.
Em meio a tantas dificuldades, Adriana aprendeu a ter orgulho da própria cor. Filha de negros – um lavrador e uma vendedora –, a estudante passou a valorizar e a preservar as raízes ao longo dos anos. O mesmo preconceito que a isolava quando criança, hoje dá força para a jovem lutar e alcançar os objetivos.
– Eu amo ser negra. Foram graças aos negros, os escravos, que o Brasil evoluiu. Foi o nosso trabalho pesado que fortaleceu a economia do país. Ser negro, em qualquer momento da história, é ser guerreiro. Eu sou negra, empregada doméstica e não tenho nenhuma vergonha disso.
Histórias por trás da pele