Porta de Vidro
As estatísticas evidenciam o que os olhos não querem ver e a razão não ousa admitir. A cada 23 minutos, um negro morre no Brasil. O estudante de jornalismo da PUC-Rio Leonne Gabriel, 21 anos, que trabalha a questão do racismo na universidade, a realidade se mostra de maneira chocante. “Existe um genocídio, tanto físico, quanto simbólico e epistêmico”, afirma. Em uma entrevista aos alunos de Edição da PUC-Rio, em outubro de 2017, ele explica que há três frentes para se entender a questão do negro.
A primeira delas é acolher os colegas negros que chegam na universidade. Isso porque o calouro pode se sentir peixe fora d’água, como se estivesse dentro de um “quilombo urbano”. “Quanto mais escuro, mais racismo a pessoa vai sofrer”, garante o estudante, colaborador do jornal Nuvem Negra. Ele cita as brincadeiras incômodas que muitas vezes um jovem sofre no dia a dia do Campus. Por isso, a tarefa de fazer com que os estudantes negros se sintam à vontade está entre as estratégias do Núcleo que também trabalha a questão do negro nas escolas públicas do Ensino Médio da cidade.
O segundo ponto é o combate ao racismo. “Muito mais do que relacionamento interpessoal, é questão estrutural, que forma a sociedade brasileira.” Para o Núcleo, “as religiões, o sistema de saúde, o mercado de trabalho e até os relacionamentos e afetos são parte dessa estrutura”. Em todas as camadas, “ocorrem a negação e a invisibilidade do outro”.
O rapaz cita a história da escritora mineira Carolina de Jesus (1914-1977) que procurou jornais e editoras com seus textos debaixo do braço. E ela sempre recebia negativas. Carolina só foi aceita e reconhecida graças a um homem branco. No caso, o jornalista Audálio Dantas (1929), que fazia uma reportagem na favela do Canindé para a Folha da Noite, do grupo Folha S. Paulo. O primeiro livro de Carolina, Quarto de despejo, vendeu uma enormidade: nada menos do que 10 mil exemplares em uma semana.
Leonne Gabriel garante: há poucos negros ocupando espaços de privilégio na sociedade. “Além disso, o branco não se vê como raça. Isso porque ele é hegemônico. Se um médico é branco, ele é só médico. Se ele é negro, é um médico negro”, compara. Por essas razões, é preciso discutir o lugar de fala. Segundo o ativista, “deve-se esclarecer o lugar de cada um na sociedade. O branco vem ocupando um lugar de privilégio há muitos séculos”.
A terceira questão é a disseminação do conhecimento africano. Na perspectiva eurocêntrica, o negro não figura em espaço importante. Conhecer a história da África, os grupos étnicos da sociedade, as suas realizações, produzir as próprias narrativas “empoderam” os negros.
Um negro na rua gera suspeita na polícia, avalia. Por isso, é preciso “desconstruir o sistema”, diz o estudante que critica o IBGE, em uma parte de suas estatísticas. O Instituto busca o padrão branco, por isso, usa o termo “pardo”. E é mais fácil se reconhecer como pardo do que como negro”. As palavras são perigosas quando estão carregadas de preconceito.
A maior luta do Movimento Negro é esclarecer o ponto fundamental: “Os negros podem ocupar todos os espaços. Ter diversidade no mercado de trabalho é enriquecedor”, lembra Leonne. “Os jovens devem desejar esses lugares e as empresas devem investir neles”. Além disso, é preciso acabar com a cruel realidade: “Quanto mais elitizada a profissão, mais difícil o negro chegar lá”. Mas por que ele é tão exigido, e precisa ser tão melhor do que o branco?
Muitas iniciativas estão surgindo como O ID_BR é o Instituto Identidades do Brasil. http://simaigualdaderacial.com.br/idbr/ Há também blogues, revistas eletrônicas, atividades, páginas no Facebook, depoimentos no YouTube. Os negros se colocam e os brancos começam a pensar sobre o assunto. Estamos todos atrasados. A questão é urgente no país. Para quem tem dúvida sobre o assunto, basta lembrar das palavras do jovem Leonne Gabriel. “O racismo mata”.
GabriGabriel Leonne: o negro em todos os espaçosm
Rose Esquenazi