Porta de Vidro
Um exercício na aula de Técnicas de Comunicação Oral na PUC-Rio pedia que os alunos se imaginassem numa manifestação, se indignando com algo no Brasil. Enquanto muitos escolhiam a situação da Amazônia ou a corrupção, André Luiz Marinho bradava pelo fim do racismo. O professor, que busca sempre respostas assertivas dos alunos, perguntou a ele: “Você acha que ainda existe racismo no Brasil?”, ao que André respondeu, sem nenhuma incerteza: “Sim, muito”.
A resposta pode esconder a relação conflituosa de André com o racismo. Ele tende a não ser radical e discorda de muitas posições dos movimentos negros, mas ao mesmo tempo reitera sua admiração. O motivo dessa contradição talvez seja a forma de chegada do racismo até ele: diferentemente dos amigos, que são tomados por um sentimento de raiva, André se depara com a tristeza. Assim, acaba ficando calado em situações cotidianas, quando muitos dos seus amigos vão na direção do enfrentamento.
André acredita não ter vivido muitos episódios de racismo no Brasil por estar protegido pela bolha da classe social. Hoje, ele pertence à classe média, mas nem sempre foi assim. Nasceu no complexo do Andaraí, mas logo quando era pequeno se mudou para a Pavuna. Seus pais, um homem negro e uma mulher branca, depois de acordarem com uma pessoa morta na porta de casa, decidiram que tinham que sair dali com a criança.
Aquela criança negra e moradora da Pavuna não sofreria tanto com o racismo quanto o pai – e justamente por causa dele. Antonio Costa começou a trabalhar como motoboy na empresa de elevadores Atlas Schindler e foi subindo até conquistar o cargo executivo de hoje. Ele não teve as mesmas oportunidades e proteção que o filho, e por isso, sentiu muito mais o racismo no Brasil.
André precisou viajar para o exterior para perceber que ele também não está imune ao racismo. A experiência reveladora do racismo para ele foi na Itália, no ano passado. Ele estava procurando a entrada do Museu do Vaticano, um pouco perdido, como tantos turistas, quando foi parado por um policial. Ele foi ríspido e agressivo, e com força pegou a identidade do rapaz de apenas vinte anos. André olhou em volta e não viu o mesmo acontecer com mais ninguém. E foi aí que tudo mudou.
Ainda na Europa, em outro ponto turístico – agora em Paris -, o rapaz entrou numa loja de conveniência próxima ao Louvre, e enquanto estava olhando os produtos, a dona da loja veio gritando: “O que você quer, o que você quer?”. Ele sentiu o tom agressivo de quem queria tirá-lo da loja, e saiu.
Esses dois episódios marcaram o rapaz, que voltou para o Brasil e começou a reparar mais em pequenos episódios no cotidiano. O mais comum deles é o simples fato de estudar na PUC. Quando ele conta para as pessoas, a reação é de surpresa com um misto de ironia, que vem seguida quase sempre da pergunta: “Você é bolsista?”. André até que gostaria (quem não gostaria de ter uma bolsa?), mas não é. E ele indaga se uma pessoa branca se depara com as mesmas reações ao contar sobre o lugar em que estuda. Ele mesmo responde: não.
Ainda falando da faculdade, André repara que nunca teve um professor negro. O pai, em congresso pela empresa que trabalha, percebe junto ao amigo: “Somos os únicos ‘negão’ aqui”. E tantas outras pessoas negras devem se dar conta do mesmo em diversos lugares e contextos.
Mas o jovem ressalta que muitas vezes as pessoas que são racistas não são necessariamente o estereótipo do Ku Klux Klan. Ele relembra os mais de três séculos de escravidão que o país viveu, e acredita que muito do racismo é aprendido na sociedade. Mas até quando?