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Com um cigarro na mão, Pedro Ramos, de 19 anos, olha atentamente para um caminhão de lixo estacionado em uma pequena rua no bairro da Urca, no Rio de Janeiro, enquanto a fumaça sai pela sua boca suavemente. Foi um momento de pausa enquanto descrevia o episódio em que foi detido.“Eu não estava com o flagrante na mão quando o PM chegou, mas fui o único a entrar na viatura e ir para DP algemado. Coincidentemente, eu era o único negro da galera. ”

Em 2015, Pedro foi detido pela Polícia Militar enquanto fumava maconha com um grupo de amigos na Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema. Ele ainda era menor na época e, por isso, não foi preso. A quantidade de droga que ele e seus amigos possuíam era muito pequena, mas, ainda assim, ele foi autuado por tráfico de drogas. O flagrante não estava com ele no momento da abordagem e não chegou a ser apreendido pelo policial. Segundo ele, o agente que realizou a abordagem não chegou a dirigir a palavra para nenhum de seus amigos. “Nenhum deles foi revistado, muito menos algemado. A ponta chegou a ficar com um amigo meu, eles nem ligaram. Tudo o que eles queriam era mais um preto na cadeia! ”. Após mais uma pequena pausa e uma tragada no cigarro, continua a falar, agora, com voz mansa. “O Brasil ainda tem que evoluir muito em relação ao racismo. O mundo tem que evoluir. ”

Estudante da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pedro é de família de classe média e mora no bairro de Jacarepaguá. Segundo ele, ter estudado em escolas de qualidade proporcionou uma visão privilegiada e crítica sobre o racismo. Ele completa dizendo que, “enquanto as classes pobres não tiverem acesso à educação de qualidade, o racismo nunca vai desaparecer da sociedade. ”

Ele conta que nunca tinha percebido o racismo na sua vida. “Sempre achei que fosse coincidência, mas depois que conheci o banco de trás de uma viatura, passei a perceber que o racismo está na minha vida a todo tempo. ” Para ele, o episódio com a polícia foi o gatilho para que passasse a perceber o tamanho do problema que o país enfrenta. “É a porta giratória do banco que trava, a abordagem de rotina toda vez que ando na rua, o táxi que não para, o pai que segura a mão do filho quando me vê, a senhora que atravessa a rua quando eu viro a esquina. ”

Pedro afirma que o racismo é um sentimento de ódio sem razão e que deve ser combatido a todo custo. “Mas para combater o racismo, é mais inteligente apostar em ações de afirmação da cultura negra, do que simplesmente sentir raiva da discriminação. ” Ele completa dizendo que o brasileiro tenta esconder o racismo ao afirmar que o Brasil é o país da miscigenação. “Esse discurso só serve para maquiar a real situação do país.

É sempre mais fácil acreditar que o problema não existe, mas o fato é que o racismo ainda é extremamente presente no Brasil. ”

O estudante diz que luta diariamente contra o racismo, nas atitudes cotidianas. “Minha luta é diária e constante. Mas contar casos como o meu é assustador, principalmente por envolver a PM. Eu tenho medo de sofrer alguma forma de represália. ” Nesse momento da entrevista, um carro da polícia passa na rua. O olhar do policial que está no banco do carona fixa em Pedro durante todo o trajeto. O carro chega a diminuir a velocidade quase a ponto de parar. Durante todo o momento, Pedro encara o policial. Assim que a viatura vira a esquina, Pedro conclui. “O PM não me olhou por eu ser um cidadão, mas por ser uma ameaça. Na cabeça dele, é quase inconcebível a ideia de eu não estar te assaltando. ” Quando pergunto se isso o abala, a resposta é imediata: “É o combustível da minha luta. ”

O retrato do racismo

João Lemgruber
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