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            Perseverança. Talvez com essa palavra seja possível descrever Aline da Mata, 27 anos, negra, natural de Petrópolis, moradora do Rio de Janeiro e estudante de uma das universidades mais elitistas do Estado: a PUC-Rio. A idade – um pouco mais avançada que dos seus colegas de classe – começa a explicar sua trajetória de vida. Ao se formar aos 19 anos em uma escola pública na Região Serrana do Rio, Aline foi trabalhar em uma fábrica de roupas de banho da cidade. Paralelamente, e percebendo a defasagem que o ensino público lhe deixou, se inscreveu em um curso pré-vestibular à noite. Sua rotina era intensa: trabalho durante o dia e estudo à noite (incluindo os sábados). 

            Seu sonho era ingressar em uma faculdade pública: “Tenho referências e modelos de mulheres fortes na minha vida. Minha avó saiu de casa aos 14 anos e minha mãe aos 20 já morava em Petrópolis”, explica Aline. Após 5 anos de muitos estudos, outros empregos e tentativas frustradas de ser aprovada em uma universidade federal, Aline ingressou em 2015 na PUC-Rio através do programa de incentivo ao estudo governamental, PROUNI. E foi neste ano, junto com mudanças de endereço e vida, que ela também abriu os olhos para uma questão que, até então, não percebia: a desigualdade racial.

            Aline relata seu primeiro encontro com o que ela vem a chamar de “porta de vidro”. Uma vez, doente e já morando no Rio de Janeiro, precisou ir a um posto de saúde. Chegando lá, a atendente não acreditou que ela, como mulher negra, pudesse morar em um bairro de classe média como Botafogo. Se recusou a atendê-la, pois ela não portava um “comprovante de residência em seu nome”. E como poderia se morava na cidade havia pouquíssimo tempo? Ela explica a metáfora: “A porta de vidro é transparente, nós não enxergamos de primeira, mas se tentarmos atravessá-la, vamos bater nela e nos machucar. O racismo é assim: é um sistema arraigado na sociedade que não percebemos todos os dias. Mas quando acontece com a gente, é como se déssemos de frente com uma porta de vidro, nos tombando e machucando”.

            Outras histórias perpassam a entrevista, contadas por Aline de maneira incrédula e “divertida”. Pessoas já a pararam na rua perguntando se poderiam “tocar em seu cabelo”: crespo, cheio e natural. Certa vez um rapaz branco tentou beijá-la e ela recusou. Ele, indignado pela negativa, disse que: “Se ele fizesse isso com ela por ela ser negra, seria chamado de racista. Porém ela pode rejeitá-lo por ser branco”. Outra porta de vidro: a tola invenção do mundo contemporâneo de “racismo reverso”.

          Aline viu um ambiente de conforto em uma faculdade que, segundo ela, é “majoritariamente composta por alunos brancos enquanto os negros vestem uniformes da Sodexo”, no Coletivo Nuvem Negra. Ali conheceu pessoas com a mesma compreensão, missão e visão dela: a ascensão da presença do corpo negro nas universidades. Sua militância é realizada em diversas frentes: o periódico Nuvem Negra, lançado semestralmente, que ela frisa ser um jornal feito para o branco ler, escolarizá-lo para que ele possa entender a história, os pleitos e os obstáculos do indivíduo negro. Além disso, o “Nuvem nas Escolas”, no qual o coletivo vai até escolas para ouvir e ajudar crianças de 12 a 14 anos, quando começam a se perceber negras, sofrer bullying e precisam de compreensão e encorajamento.

         Sua voz serena e firme apenas enfraquece quando fala de sua mãe, com quem tem uma relação muito forte. Com os olhos marejados, ela conta que toda sua obstinação em estudar por anos a fio até conseguir ingressar numa universidade tem inspiração: ela. “Minha mãe sempre me disse que, apesar de nós sermos pobres, a única coisa que não podem tirar da gente é nosso conhecimento. Essa é a herança que ela vai me deixar”.

          Aline ressalta a participação de todos na causa negra, explicando que o branco precisa compreender e aceitar sua “branquitude”, seu lugar privilegiado na sociedade e escutar. É assim que ele poderá ajudar no progresso – que caminha a passos lentos, como ela destaca – da igualdade racial. Ela exemplifica um caso rotineiro em veículos de comunicação: “Na próxima novela das 9 da TV Globo, a protagonista negra Erika Januza vai viver um romance com um homem branco. Precisamos parar com esse embranquecimento. Se queremos falar de diversidade e pregar a não tolerância ao racismo, vamos dar espaço e ascensão aos atores negros. Isso é exercer uma política de inserção a todos”. Palmas, Aline!

Uma mulher destemida

Ana Luiza Mader Branco 

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